Contos de uma paulistinha #1: O que você quer de mim?

Você simplesmente me viu na rua, com itens caros, à noite, sozinha, e acho que viu uma oportunidade, afinal estava armado com sua pistola, sua faca e com certeza seu mau caracter.
Mesmo sem querer dei tudo: meu celular, meu dinheiro e grande parte da minha dignidade, quer dizer, alguém lutou e se esforçou por tudo aquilo e você quer simplesmente burlar as regras e pegar de mim? Não é justo... Mas eu não posso fazer nada, não é?
Percebo que ainda está com a pistola apontada para mim, isso é uma brincadeira, não é mesmo? Já te dei tudo que podia, mas você ainda quer mais? Acho que meu cérebro ri de nervoso.
Finalmente olho nos seus olhos e vejo medo, você realmente é um idiota, não é? Não tem nem certeza do que está fazendo: está fazendo algo que faz mal para você mesmo. Tudo que eu queria era te dar um soco no meio da cara, mas você ainda é o que tem a arma na mão e a faca no bolso e eu sou a que tem a civilidade.
Por alguns segundos percebo que devo estar parecendo muito assustada, mas, eu estou assustada? Pensei que estava irritada, mas talvez essa seja só minha forma de medo, pois por fora acho que estou parecendo aquela garotinha assustada que eu era quando trinquei meu tornozelo numa cama elástica.
Quando me deparo a arma ainda está apontada para mim, acho que todos esses pensamentos não devem ter passado de segundos, minha mente sempre pensou demais e acabou esquecendo da ação.
Já irritada com tudo aquilo e preste a um ataque de nervos solto um "O que você quer de mim?" que saiu rouco e não forte e amedrontador da forma que eu queria, com certeza estava parecendo aquela garotinha.
Pensei no que mais aquele sujeito poderia querer de mim, já tinha dado tudo que eu tinha... Eu não tinha mais nada, quer dizer só... Só o meu corpo?
Acho que sua mente processa ao mesmo tempo que a minha quando ele parte para cima de mim tirando sua faca do bolso e ameaçando me matar caso não me entregasse.
Mas não. Eu não quero. Quer dizer, eu quero chorar, e eu quero acordar e perceber que isso foi só um pesadelo, mas eu não quero suas mãos sujas me tocando, eu... Eu simplesmente não quero e eu achava que eu tinha o direito de não querer.
Mesmo praticamente indefesa decido que eu simplesmente não vou deixar aquilo acontecer comigo, então em um momento de distração bato com toda minha força na sua cabeça, não olho para ver o resultado, mas espero que o golpe tenha pelo menos o feito sangrar um pouco. 
Provavelmente eu vou morrer agora, e provavelmente eu deveria parar de pensar tanto e arrancar umas das armas dele, e então é isso que eu faço, eu, a paulistana que tem como maior ação da vida assistir Netflix tento pegar a arma de um ladrão experiente. Qual é meu problema afinal?
Ele aperta o gatilho da arma que eu esperava que fosse de brinquedo e eu ouço um estrondo. Ele corre e por alguns segundos fico muito feliz com aquilo até que olho para baixo e vejo o buraco no meu abdome. Finalmente começo a sentir aquela dor que misturada com a adrenalina acho que nem estivesse no seu ápice, mas que ainda sim era muito forte.
Caio no chão e posso sentir o sangue escorrendo para fora de mim, tento levantar, mas não consigo em nenhuma das minhas tentativas, então só me deito e aceito: Eu vou morrer.
Nesses minutos que me restam começo a pensar coisas como: "Será que eu deveria ter deixado ele me tocar para viver? Ou será que mesmo assim ele ia disparar aquele tiro? Será que tudo isso é culpa minha?". Quando percebo que lágrimas estão escorrendo dos meus olhos vejo que estou sendo ridícula. Só eu tenho direito do meu corpo, e se eu realmente morrer agora vou ter morrido com orgulho de mim mesma por ter lutado pelo o que eu queria até meu último respiro.
Tudo fica cada vez mais escuro por mais que eu não me lembre de fechar meus olhos, na verdade acho que ainda estão abertos: meu tempo está acabando.
Meu choro volta quando penso em tudo que eu não fiz e em tudo que eu não disse, quer dizer, eu acabei de sair da minha escola, não me lembro de ter lembrado minha mãe de que eu a amo muito da última vez que a vi, nem de ter avisado minha amiga de que ela é incrível demais para sentir que é obrigada a ficar com um garoto idiota só porque no momento não tem mais ninguém aparentemente interessado nela, e também não me lembro de ter orado antes da minha última refeição, aliás, desculpa Deus, por tudo, eu sei que eu já fiz muita coisa errada e que ainda dá tempo de se arrepender, então eu me arrependo, mesmo. E... Eu só não consigo pensar mais, porque eu acho que aqui já acabou para mim.

Comentários

  1. Filha vc é uma excelente escritora e consegue permear diversos universos, cada vez que leio me surpreendo, nunca pare de escrever.
    Dá sua mãe q pega no seu pé mas te admira demais.
    Amo vc minha simplesmente Na

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  2. Filha vc é uma excelente escritora e consegue permear diversos universos, cada vez que leio me surpreendo, nunca pare de escrever.
    Dá sua mãe q pega no seu pé mas te admira demais.
    Amo vc minha simplesmente Na

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  3. Linda, amei o texto!
    Ass: sua prima mais linda (tchauna)

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